sexta-feira, 4 de maio de 2012

Cidraque - O meu treinador

Nos meus dezasseis, dezassete anos pratiquei remo.O meu treinador chamava-se Cidraque. Homem com face de tez tisnada, rugas vincadas, de músculos proeminentes. Fumava e bebia vinho tinto, era bom conversador.Gostava da garotada. Os putos admiravam-no. Tinha sido barqueiro no rio douro. Com o seu caíque a remos rebocava barcaças enormes cheias de mercadorias que tinham sido descarregadas  dos enormes navios atracados no cais de gaia. Que saudades daquele cais de gaia! Que pulsar de vida naqueles tempos. Lembro-me dos enormes rebocadores, que ajudavam os enormes navios a inverter o sentido de navegação, recordo os enormes  guindastes, o movimento contínuo dos tripulantes e  estivadores, dos mercadores e agentes marítimos, lembro-me do vai e vem das mercadorias, das vagonetas nos carris, da azáfama dos conferentes, do escalar dos trabalhadores, da tristeza profunda daqueles que não figuravam na escala! Tempos duros, mas também  exaltantes e coloridos. Hoje o cais de gaia é um recinto  triste, falsamente moderno, plastificado, pouco digno das suas raízes históricas. Falava do meu treinador Cidraque. O seu caíque parecia que tinha motor. Remava com energia, bem coordenado, remada forte e ritmada. A sua barcaçava deslizava suavemente nas águas  do douro. Remava desde menino, seu pai passou-lhe este ofício, para alem da pesca não sabia fazer mais nada. Na reforma tornou-se treinador de remo. Ensinava-nos a posição das costas no banco dos barcos de remo de competição, o movimento das pernas,  como devem entrar os remos na água, o movimento das mãos e dos pulsos, a importância da remadas sincronizadas, a coordenação imposta pelo timoneiro . As corridas eram ao Domingo de manhã. Por vezes éramos primeiro, muitas vezes perdíamos. Mas o nosso treinador Cidraque, insistia que não  se preocupava com a chegada. Era exigente com a nossa remada, com o nosso esforço, com a nossa entrega. No dia da prova era muito tolerante com o resultado, ao contrário, nos dias de treino era implacável.Várias vezes afirmava que podíamos chegar em último desde que dessemos o nosso melhor. Podíamos não ter ninguém à nossa espera na linha da meta, isso não era importante, o importante era o nosso quer, o nosso esforço, a nossa vontade intensa de remar forte e coordenadamente.Que sabedoria a do meu treinador!Só mais tarde percebi a sua filosofia de vida . Como o recordo nos dias de hoje.
Bem Haja Cidraque aonde quer que esteja. luis filipe

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