Cheguei a Macedo de Cavaleiros de
comboio. Tinha 25 anos. Na estação, os canteiros cuidados e floridos, pareciam
estar ali propositadamente para saudar, com os seus suaves e inebriantes
perfumes, os passageiros desembarcados. De fronte vislumbrei uma imponente e
majestática serra. O apito lancinante da locomotora, despertou-me do fugaz encantamento.
A mala que transportava pareceu pesada demais. O comboio retomou a sua marcha lentamente,
sujeitando os carris a um ranger forte e dorido, rumo a outras paragens como se despedisse de mim. Fiquei só por uns
momentos. Linda aquela serra!
Bornes é o seu nome, vim a saber mais tarde. É
pesada a minha mala. Anteriormente não tinha notado. Para além das roupas,
talvez o mais pesado fossem os sonhos que secretamente carregava junto dos meus
inseparáveis livros. A viagem do Porto até ao Tua tinha sido encantadora, mas o
troço em linha estreita do Tua até Macedo de Cavaleiros foi deslumbrante! A
respiração fica suspensa com tamanha beleza. Esplendorosa paisagem que apazigua
a nossa alma. Notável o telúrico esforço daqueles nossos antepassados que
esventraram e perfuraram as fragas, tornando possível a colocação da linha
férrea. Lindo o rio, serpentando as colinas, lá ao fundo, adornado por amieiros,
freixos e salgueiros. Hoje, a linha férrea jaz moribunda e abandonada, para
nosso opróbrio. No início dos anos oitenta, quando o governo de então, desenhou o seu encerramento, escrevi um texto que originou um abaixo-assinado com
centenas de assinaturas contra o seu encerramento. Debalde, a linha foi
encerrada, o alcatrão venceu. Até agora…Os autarcas da região agrilhoados a
critérios político-partidários, ficam indelevelmente ligados a esta infausta e
funesta decisão…
Com o decorrer do tempo, conheci o Presidente da Câmara, no
seu estabelecimento comercial. Era uma espécie de lugar de tertúlia! Ali se
juntavam comerciantes, professores, advogados, agricultores, e povo em geral. Como
era fácil encontrar e dialogar com o Presidente da Câmara! Ao contrário dos
grandes centros, que ninguém conhecia ou sabia quem era o Presidente, aqui, ao
virar da esquina, cumprimentava-se o Presidente. Para todos, tinha uma palavra
amiga de conforto e esperança na resolução daquele problemazito pessoal que
por vezes lhe era colocado. Era uma pessoa boa o Presidente. Recordo com saudades
as conversas misturadas com a venda de botões, alfinetes e peças de vestuário
medidas a metro, e cruzadas com as perspectivas entusiásticas da construção do
novo hospital e da barragem do Azibo, obras emblemáticas do Presidente
Pescadinha e estruturalmente marcantes para o desenvolvimento de Macedo de
Cavaleiros. Recordo um episódio, peculiar da sua personalidade, quando já
exercia funções na câmara em regime de avença. Ao sair dum gabinete, deparo-me
com uma senhora, vestida de preto, com ar sombrio e triste. Interpelei-a no
sentido de tentar compreender a razão da sua amargura. Pretendia prolongar a
sala de sua velha casa, devido à existência de humidade que a afligia durante
anos, construindo três paredes em cima do logradouro. A informação técnica do
arquitecto, e de acordo com as normas em vigor, devia apresentar um projecto de
arquitectura quer de toda a casa existente, quer da parte nova a construir.
Esta exigência normativa, implicava uma despesa na ordem dos 100 a 150 contos, completamente
fora do alcance desta senhora de Lagoa. Subi ao piso superior, em direcção ao gabinete
do Sr. Presidente. Expus-lhe a situação.
Mas as relações entre a Câmara e as juntas de freguesia estavam inquinadas pela partidarite, resultante do sistema eleitoral vigente, que visa eleger não os melhores, mas os carreiristas filiados em partidos políticos, apostados em melhorar o seu modo de vida em detrimento das populações que dizem representar. Sempre manifestei discordância à formalização de listas partidárias ao nível das eleições para as freguesias e até mesmo para a Câmara Municipal. Não faz sentido dividir as pessoas, idóneas, competentes e com o sentido cívico forte de servir as populações, através da compartimentação de listas partidárias. O conceito de esquerda versus direita não faz qualquer sentido neste tipo de eleições. Lembro-me de quando estava no serviço militar, numa acalorada assembleia de militares, no ano de 1975, um Sargento-Ajudante, tomar a palavra e questionar “ … estamos para aqui fartos de falar em esquerda e em direita, mas gostaria que me esclarecessem: afinal o que é a esquerda e o que é a direita? “ Silêncio absoluto. O oficial miliciano que estava na mesa a moderar a reunião solicitou: “ alguém pretende responder ao Sr. Sargento-Ajudante? “ Silêncio novamente. Ninguém ousava tomar a palavra. Repentinamente dirigi-me à mesa disposto a responder à pergunta. Ao olhar para a assembleia de militares, fiquei aturdido. Quase quinhentos militares à espera do meu contributo. O meu coração batia com tanta intensidade que parecia saltar-me do peito. Com tanta ansiedade não iria conseguir articular qualquer tipo de ideia. Tinha 22 anos. A minha experiência política era nula. Resumia-se à leitura de meia dúzia de livros de ciência política. Grande sufoco! Que raio de ideia tive. Estava ali tão bem sentado! Respirei fundo algumas vezes. Até que … disse “…o conceito de esquerda e direita tem origem nos primórdios do parlamentarismo inglês.
Os deputados representantes das elites privilegiadas
financeiras, do capitalismo industrial e dos grandes proprietários sentavam-se
no lado direito do parlamento. Os representantes das camadas mais desprotegidas
da população, dos trabalhadores assalariados, sentavam-se do lado esquerdo do
parlamento. Assim, os partidos da direita, agora constituídos, na sociedade portuguesa,
tenderão a representar os interesses das elites que sustentaram o antigo
regime, os partidos da esquerda tenderão a representar os interesses do povo
português, que se encontrava amordaçado e desprovido dos mais elementares
direitos de cidadania ”. Uma estrondosa salva de palmas permitiu-me descortinar
o lugar onde estava sentado. Uf! Que alívio---
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